Monday, April 18, 2016

Choram Paulinhas e Vanessas

Talvez tenhamos que reaprender a ser pedra
Fechei a janela do banheiro, abri a torneira da ducha, liguei o rádio em alto volume, enfiei a cabeça debaixo da água. Depois de sair da última colocação, no primeiro turno, o Corinthians chegava à final e perdia para o São Paulo, no Campeonato Paulista de 1987. Não queria ouvir a comemoração lá fora, os fogos, os gritos.

Sentei ao lado da janela, só porque o Outono tinha se fantasiado novamente de clima do Saara, acompanhei os votos no Twitter, meti fones de ouvido e, ao sinal do desfecho, soltei Red Hot Chili Peppers no máximo. A Câmara dos Deputados tinha aprovado o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Não queria ouvir a comemoração lá fora, os fogos, os gritos.

“Você parece criança que, quando os pais dão bronca, tampa os ouvidos e fica gritando qualquer bobagem para não ouvir!”

Meu filho, depois de socar o sofá e o chão com suas luvas de muai thai, tinha certa razão em criticar um traço tão imaturo de escapismo quanto aquele. Não me demovi do gesto. A primeira música acabou, a farra na rua continuava. Soltei outra canção. Finda a segunda, o silêncio.

Chora mais. Depois, luta (foto Gustavo Andrade AFP)


Perdemos. Sim, perdemos feio, de lavada. É triste perder e, se o gesto foi o mesmo de quase trinta anos atrás, bancando a criança mimada que não, não quer ouvir, desculpem-me, companheiros. Tenho a pele fina, os ouvidos sensíveis e, talvez, o mais relevante: um ego inflado que não gosta de ser tripudiado. É por ele que não me exponho em brigas políticas ou futebolísticas. Talvez eu seja menos civilizada do que minha postura sugere. Eu não digo tudo o que penso – de pênaltis mal marcados a votos porcamente justificados – mas penso cada barbaridade que, deixa pra lá...

Vou continuar não brigando, mas meu coração foi se apertando e fazendo brotar palavras à medida que interagia com amigos – reais e virtuais – na noite deste domingo. Eram Paulas, Wesleys, Vanessas, Alans, Tatianas, Gustavos. E os que mais me comoviam eram os bem jovens, muitos deles entristecidos não apenas pela derrota, mas principalmente por ver aflorar sentimentos de intolerância que deságuam em algo que não pode ser chamado de outra coisa que não seja fascismo.

Por partes, companheiros. Primeiro, à tristeza pela derrota. Muitos de vocês não eram vivos, ou pelo menos crescidos, enquanto vivíamos uma ditadura militar no Brasil. Não viveram a campanha pelas Diretas Já, não votaram para presidente pela primeira vez junto com seus pais. Não vou dizer que a derrota de ontem foi pouca coisa, não foi. Mas não posso deixar de notar que os últimos treze anos, que representaram a continuidade de um governo de esquerda no Brasil, significaram mais da metade da vida de alguns de vocês. A guerra ainda não está perdida, e a mobilização de todos continua sendo vital para tentar reverter esse quadro.

Mas, acostumem-se à ideia de agir como oposição, caso percamos também a guerra. Esses treze anos, coincidentemente, marcaram também a popularização das redes sociais no mundo. É certo que a oposição à esquerda no Brasil articulou-se de forma competente por esse canal. Panelaços e manifestações nasceram nos últimos anos por meio desse veículo. E pessoas que pensam de forma contrária a nós sentiram-se encorajados para se mostrar. Mostraram muita convicção e vários exageraram na dose de agressividade.

Mas eu arrisco dizer que a neodireita brasileira não tem noção do que a esquerda pode fazer quando deixar de ser vidraça e se tornar pedra novamente, como fomos na maior parte da nossa existência. Fundamentalmente, porque nosso ativismo não se restringe ao ambiente virtual. Estamos lastreados por forças sociais (de trabalhadores, de estudantes etc.) que pode – e, ao me parece, vai – mobilizar a sociedade para além dos protestos festivos aos domingos.

Por isso, jovens companheiros, quando passar a vontade de chorar, de se esconder no riff barulhento de um rock estridente ou de socar o chão, mobilizem-se novamente. Já fizemos isso antes. Dói, mas caleja, e não mata ninguém, pelo menos enquanto não se chegar à conclusão de que a ditadura é melhor, como pensam alguns.


Quanto à tristeza de ver o discurso fascista florescendo entre nós, principalmente entre os mais jovens... Desculpem, talvez para essa eu precise da ajuda de vocês. Eu entendo e louvo a ideia de que jovens têm de ser do contra. É quase orgânico, e esperado. E acho que o atual governo tem erros terríveis a serem corrigidos, e acharia natural ver mais jovens empunhando a bandeira da inclusão social ampliada, da descriminalização das drogas, do respeito à mulher, do casamento homoafetivo etc. Mas não consigo encontrar explicação para, ao contrário, ver crescer as intolerâncias raciais, religiosas e étnicas, a homofobia, o machismo, a misoginia. Alguém me ajuda com isso? 

1 comment:

Felipe Atch said...

Bem Alessandra a radicalização vai aos dois lados isso poderia explicar essa juventude fascista! Como você mesmo disse para muitos estes 13 anos de PT representam maior parte da vida! Como professor de ensino médio de um Estado periférico sofro a cada aula em que tentando trabalhar temas como os apresentados e vejo o discurso de ódio na voz dos adolescentes! Não quero culpar a religião mas o evangelismo de direita cresce forte nas periferias! E a cada grito de por Deus e por minha família ontem o eco desse discurso de ódio me vinha a mente!